Beco e Capela de Nossa Senhora dos Aflitos. Fonte: Estadao.com.br
Os imigrantes japoneses só chegaram no bairro a
partir de 1908, 20 anos depois do fim da escravidão dos negros no Brasil, que
durou três séculos. A região tinha terras e aluguéis muito baratos e já era
local de moradia de portugueses e italianos.
Assim como acontece na Liberdade, pouco se sabe
que bairros paulistanos foram erguidos com a luta, o sangue e o suor do povo
negro. Até a origem do nome do bairro remete ao povo negro. “Liberdade” surge
por conta do enforcamento de Chaguinhas, ou Francisco José das Chagas, um
militar negro que liderou uma revolta em Santos e foi punido com a pena de
morte, em 20 de setembro de 1821, quase um século antes da chegada dos
japoneses.
No dia do seu enforcamento a corda arrebentou
três vezes e isso gerou no imaginário popular toda uma simbologia de que a
dificuldade de enforcar o Chaguinhas tinha a ver com algum poder sobrenatural
que ele porventura tivesse. Como o povo gritou e clamou por Liberdade, um
clamor que não foi atendido pelo Estado, o bairro ganhou esse nome.
O enforcamento de Chaguinhas aconteceu onde
hoje é a Praça da Liberdade, outrora chamada Praça da Forca. Esse era o destino
final de um roteiro trágico: o cortejo começava na região onde hoje é o Parque
Dom Pedro e abrigava, no século XVIII, uma prisão de escravos condenados à
força.
O cortejo de policiais trazendo os negros
seguia a ladeira, em direção à Liberdade. Os negros condenados eram levados
para a forca. Antes disso, havia um momento de súplica intensa para que ele
fosse perdoado. Para contemplar essa dor, chamada aflição, criaram a Capela dos
Aflitos. Ali, na mesma época, também surgiu o primeiro cemitério público da
cidade, o Cemitério dos Enforcados, que funcionou até 1858.
Outras Igrejas, que hoje são parte da rota
turística do Centro, também foram construídas na mesma época, pelos negros em
condição de escravos. Eles cercavam o cortejo e conseguiam convencer os
soldados para que fizessem uma oração para que o condenado tivesse uma boa
morte. Esse ritual foi tão forte que os negros livres construíram na Rua
Tabatinguera a Igreja da Boa Morte.
Praticavam e construíram essas capelas, pois
eram proibidos que rezar em igrejas católicas apostólicas, e se permitidos de
participar das cerimonias eram obrigados a se manter de pé e encontrados na
parede da igreja durante toda a missa, assim conta um dos colaboradores da
capela dos aflitos para a nossa equipe.
No bairro Liberdade morreram mais de cinco mil
negros. Para cada dez anos de Brasil, sete foram sob escravidão. Foram 370
anos. E quando houve abolição, foi uma abolição mal resolvida. Com o passar dos
anos, o comércio e o turismo em constante expansão também têm feito seu
trabalho na dispersão da história negra do local. A Capela dos Aflitos, é
exemplo disso. Escondida em um beco, na travessa com a turística Rua dos
Estudantes, encontra-se uma igrejinha que, à princípio, mal parece um patrimônio
tombado pelo município. Ela representa um contraponto nesse processo da mudança
do nome porque é nela onde havia o cemitério dos escravos e dos pobres que eram
enforcados, os criminosos que eram considerados fora da lei naquele momento. O
Beco dos Aflitos hoje foi tomado pelos estacionamentos e galpões de
lojas. Na rua, os postes cheios de fios dividem espaço com a decoração
típica japonesa.
É tão pequena a Capela dos
Aflitos que os fiéis se sentam nas poucas cadeiras ao lado do altar. Porque a
frente já está quase na própria rua. O padre que lá reza missa é o mesmo da
Capela das Almas dos Enforcados. Aflitos e Enforcados são duas capelas que estão
ligadas por sua história. Reza a tradição que os escravos, vindos dos baixos do
Carmo, da várzea do Tamanduateí, subiam a Tabatinguera. Paravam estatelados na
Igrejinha da Boa Morte. Seguiam ao pelourinho, ali no atual Largo sete de
setembro. Viam o suplício dos seus irmãos de cor e destino. Seguiam, não raras
vezes, até o Largo da Forca (atual Liberdade), mais ou menos onde hoje situa-se
a Capela dos Enforcados. Nesta paragem baloiçavam os corpos inanimados dos
escravos condenados à morte certa.
Ela é um patrimônio histórico que mesmo nos
tempos atuais não recebeu a devida atenção. É tombada pelo Condephaat desde
1976. Hoje, há um orçamento para fazer o restauro dela, mas isso acabou não
acontecendo. O que para nós representa a falta de ação e inércia do Estado. Uma
demolição irregular em uma construção vizinha fez crescer novas rachaduras nas
paredes da igreja.
Mas a igreja resiste, e até os dias atuais se
mantem realizando cerimonias todas segundas-feiras pela manhã, devido a
pandemia, o horário de funcionamento diminui, mas aos poucos está retornando à
normalidade nas atividades diante a vacinação e diminuição de casos no Brasil. No
dia da visitação da nossa equipe, estudantes de uma faculdade estavam filmando
a cerimonia e a estrutura da capela, ao questionar o motivo, fomos
surpreendidas ao descobrir que os mesmos estavam produzindo um documentário
sobre a história de Chaguinhas e como sua vida estava entrelaçada a capela.
Fiéis deixam pedidos ao santo "Chaguinha", na porta onde foi sua cela em capela do século 18 - Foto por Eduardo Anizelli/ fonte Folhapress.
Devotos ao Chaguinhas mantem as atividades e
doações em prol da preservação da capela e da continuidade da história do santo
injustiçado, símbolo de resistência, daqueles que foram executados durante a
escravidão.
Referencias bibliográficas:
https://spcity.com.br/lendas-urbanas-capela-dos-aflitos/
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